A descrição que Luís da Câmara Cascudo, o mestre Cascudo faz de Nascimento Grande é fenomenal: “De alta estatura, corpulento, chegando aos 130 quilos, morenão, bigodes longos, muito cortês e maneiroso, usava invariável chapelão desabado, capa de borracha dobrada no braço e a célebre bengala de quinze quilos, manejada como se pesasse quinze gramas e que ele chamava a volta. Uma bengalada derribava um homem, duas desacordavam e três matavam.”
Mas quem foi essa figura extraordinária? Chamava-se José Antônio do Nascimento e era o mais afamado valente do Recife na entrada do século XX. Trabalhava na estiva e, segundo relatos, carregava cargas absolutamente insanas, daquelas de enrubescer os maiores fortões. Era um Hércules, o Nascimento Grande.
Nunca provocou uma porrada. De conduta ilibada e honestidade comovente, só saía no cacete em legítima defesa. Como era uma fortaleza, costumava ser desafiado por malandros de todos os tipos e Mestres de capoeira, que sabiam da fama reservada a alguém que conseguisse meter-lhe a porrada. Nunca aconteceu. Alguns diziam que ele tinha o corpo fechado, pois foi atacado por diversas vezes por disparos de arma de fogo a queima roupa e nunca foi ferido. Tudo graças a um amuleto com um "Santo Lenço" que ele carregava.
Existe inúmeras histórias desse gigante, como essa ataque que sofreu, em Vitória de Santo Antão, de um cabra chamado Corre-Hoje. Antonio Padroeiro (seu nome verdadeiro) atacou Nascimento Grande auxiliado por sete comparsas. Nascimento Grande bateu nos sete e matou o Corre-Hoje. Diante do pânico dos que assistiam à cena, que incluiu os inevitáveis desmaios das mulheres, Nascimento Grande colocou o corpo do meliante em um banco, acendeu velas votivas e velou, rezando contrito, a alma do morto até a chegada da polícia. Exigiu que Corre-Hoje tivesse um velório cristão.
Era o defensor das putas do Recife Velho. Mandava dizer que quem maltratasse as moças se veria com ele e com sua inclemente bengala. Não havia cafetão ou cliente que se metesse a engraçado com as quengas quando o Grande estava na zona. Constantemente se apaixonava pelas meninas e afirmava que o amor de uma puta era o mais sincero dos sentimentos. Repetia sempre uma máxima: “sortudo é o homem pelo qual uma puta se apaixona. Maldito é o que tem os amores de uma virtuosa.”
Em certa feita foi provocado por um valente do bairro de São José chamado Pajéu, metido a capoeirista e dado a bater em mulher – coisa que causava asco no nosso personagem. Pois o tal do Pajéu apanhou mais que boi ladrão. Um dia, Pajéu atacou Nascimento Grande com uma "peixeira" e foi desarmado por Nascimento Grande que obrigou o cabra a colocar uma saia de mulher e desfilar pelas ruas do Recife Velho. As putas, que amavam nosso personagem e execravam o tal de Pajéu, aplaudiram em delírio a desmoralização do bocó.
Foi ele quem matou, em viagem ao Rio de Janeiro, o legendário capoeirista Camisa Preta, que o desafiara para um combate de morte. Essa batalha transformou o Largo da Carioca na península do Peloponeso.
Mas a maior luta de Nascimento Grande foi contra João Sabe Tudo, que era seu mais feroz adversário e um dos valentões mais temidos de Recife. Os dois evitam se encontrar, só que em um Domingo de manhã se esbarraram perto da ponte do Largo da Paz, não houve tempo pra discussões e a briga começou. João Sabe Tudo de "peixeira" na mão e Nascimento Grande com a bengala. Golpes zuniam no ar. Foi se formando a multidão, com grupos de curiosos que aplaudiam ora um ora outro combatente. A Cada rasteira, negaça os aplausos choviam. E os dois valentões avançavam um contra o outro, ou recuavam estrategicamente, ambos ligeiros e valentes. Mas as horas do dia foram passando e a batalha continuava, cada vez mais violenta, sem vencido sem vencedor. E os dois lutadores, em fugas, avanços e negaças, foram descendo a Rua Imperial. A multidão acompanhando. Atingiram a Praça Sérgio Loreto. Avançaram mais e de repente chegaram a Matriz de São José. E entraram na Igreja, e a multidão barulhenta atrás deles. É quando aparece o Vigário da Matriz, indignado. Grita para os dois valentões. Ambos feridos e extenuados e os obrigam a parar. Faz mais ainda, intima que respeitem a casa de Deus e exige que apertem as mãos. Os dois inimigos, embora desconcertados, obedecem. Foi essa a última luta de Nascimento Grande e João Sabe Tudo, os maiores valentões do Recife Antigo.
Com o coração do tamanho do Capibaribe, Nascimento Grande fez grandes amigos por onde andou. Honestíssimo - mesmo os inimigos reconheciam isso - , chorava feito manteiga derretida com as coisas mais corriqueiras da vida. Morreu, com mais de cem anos, no Rio de Janeiro, onde passou parte da velhice...