A criatura que chamamos Zumbi nasceu livre em qualquer ponto dos Palmares, em 1655. Talvez no começo do ano, quando a água nas cisternas é pesada e morna; talvez no meio ou no fim, quando o chão está coberto de buritis podres.
Um dia saberá bastante sobre ele. Milhares de documentos amarelos, difíceis de ler, guardam a história do preto pequeno e magro que venceu mais batalhas do que todos os generais juntos da Histório Brasileira terrível às cercanias de Porto Calvo. Diziam outros que a moça lhe fora ao encontro de próprios pés; terceiros, que era herdeira de família senhorial extraviada nas brenhas vizinhas de Palmares. Até aqui, os papéis amarelados, de sintaxe arrevesada, não disseram sim ou não à legenda romântica.
Tudo começou com um comandante chamado Brás da Rocha que atacou Palmares em 1655 e carregou, entre presas adultas, um recém-nascido. Brás o entregou, honestamente, como era do contrato, ao chefe de uma coluna, e este decidiu fazer um presente ao padre Antonio Melo, cura de Porto Calvo. Padre Antônio batizou a criança como Francisco. Não podia, naquele momento, adivinhar que se afeiçoaria ao pretinho.
Se pode imaginar que não foi das piores a infância de Francisco. O padre talvez o batesse, como mandava a época, mas não lhe faltou alimento e remédio. "Quem dá os beijos, dá os peidos", dizia o povo. Padre Melo achava Francisco inteligentíssimo; resolveu desasná-lo em português, latim e religião. Talvez olhasse com orgulho o moleque passar com o turíbulo, repetir os salmos.
Numa noite em 1670, Francisco fugiu. Aos 15 anos deixaria a liberdade e o conforto de Padre Melo para voltar a Palmares onde nasceu, mudando seu nome para Zumbi que no dialeto banto quer dizer "Senhor da Guerra" e em outros lugares zumbi são mortos-vivos, criaturas que mesmo no além jamais descansam. Não demorou muito e foi eleito chefe de uma aldeia (mocambo) e, com muita raça e pulso firme, rapidamente se tornou comandante geral do exército de Palmares.
Aos 23 anos recusou a paz que Ganga Zumba firmara com os brancos, paz que lhe garantia a liberdade pois nascera em Palmares. Aos 25 anos, incompletos, fechou, enfim, a última porta: continuaria em Palmares para combater.
Zumbi dos Palmares foi por muito tempo - até hoje no Brasil - recordista de vitórias militares. Zumbi assumiu o posto de chefe maior e reorganizou toda Palmares. Ordenou que fossem degolados os seguidores de Ganga-Zumba, mandou matar seus rivais internos, preparou seus homens para os combates que estariam por vir, transformou Macaco, sede de Palmares, numa gigantesca fortaleza. Guerreiro imbatível, venceu mais batalhas do que todos os generais juntos, da História Brasileira. Zumbi tinha uma grande diferença desses generais, que combatiam para conquistar territórios ou para escravizar. Zumbi lutava para sobreviver e não ceder à escravidão. Zumbi é o maior símbolo de resistência de nossa história.
O Quilombo de Palmares resistiu aos ataques das expedições mandadas pelos seus governadores da época, quase por um século, vindo a ser destruído em 1694, pelo bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, o qual já era exímio caçador e assassino de índios, não se sabendo quantos mil índios este homem matou, sabendo que ele partiu contra Palmares, com toda fúria e ira, com seus canhões cuspindo fogo. Seus soldados massacrando mulheres e crianças sem um pingo de compaixão. Zumbi e seus guerreiros lutavam como nunca, pois esta era a batalha final. Zumbi lutou até o último momento, mas foi impossível vencer os canhões de Domingos Jorge Velho.
Zumbi vendo a batalha perdida, fugiu para tentar construir um novo Palmares, mas um ano mais tarde, o Senhor da Guerra morreu numa emboscada traído por um amigo, vindo a ser morto nas brenhas da Serra Dois Irmãos por volta de 5 horas da manhã de 20 de novembro de 1695.
Seu corpo foi esquartejado, sua cabeça ficou exposta em uma praça em Recife para servir de exemplo. Mas nada foi suficiente para impedir que renascesse um mito em cuja coragem e força se tornaram eternas para os que continuaram resistindo contra a escravidão.
No dia da morte de Zumbi, 20 de novembro é comemorado o dia da consciência negra. Zumbi permanecerá vivo na lição de resistência, permanecerá como símbolo das atrocidades infindáveis do poder ilimitado, arbitrário, prepotente.
Morreu, mas não se entregou ao cativeiro. E a cultura afro-brasileira está mais forte do que nunca, como a Capoeira, o Maculelê, a dança afro, o samba e muitos outros segmentos.
A Capoeira foi registrada por alguns na história do Quilombo de Palmares, por isto acreditamos que em cada movimento ou gesto da cultura afro-brasileira, Zumbi renasce.
A Capoeira é a luta de resistência, é uma luta de quebra de preconceitos. A Capoeira traz uma magia, que encanta pessoas de todas as raças e classes sociais, fazendo com que elas se integrem e construam um mundo sem preconceitos e discriminações. Era por isto que Zumbi lutava não só por liberdade, mas também por igualdade. E a Capoeira traz esta proposta, e é por isto que é impossível falar de Capoeira sem falar neste baluarte da nossa História Brasileira.
"Minha espada espalha o sol da guerra/ Rompe mato, varre céus e terra/ A felicidade do negro é uma felicidade guerreira/ Do maracatu, do maculelê e do moleque bamba/ Minha espada espalha o sol da guerra/ Meu quilombo incandescente a serra/ Taliqual o leque, o sapateado do mestre-escola de samba/ Tombo da ladeira, rabo de arraia, fogo de liamba...". Zumbi